quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Como parar o mundo


Você já quis parar o mundo? Pois saiba que o melhor momento para aprender a pausar a vida é ironicamente aquele em que mais você quer seguir vivendo.

Durante o sexo ou no meio de uma briga, às vezes desejamos interromper o fluxo dos fenômenos. Enfiar a cabeça no chão, nos momentos ruins, ou congelar a cena para a eternidade, nos bons. Tentativas sempre frustradas por uma espécie de ansiedade, uma urgência de abocanhar o prazer ou de tentar resolver uma situação dolorida. Ironicamente, mesmo quando tudo o que queremos é apertar pause, colocamos ainda mais força no botão de play.

O andamento da noite foi acelerado. Eles saíram atrasados para o Forró in the Dark, dançaram até pingar, comeram pouco antes de fecharem o restaurante e foram para casa transar, um pouco ansiosos, distraídos, apressados. Enquanto ele metia de lado, por mais gostoso que fosse, ambos sabiam o que estavam fazendo, já haviam passado por isso incontáveis vezes, já podiam antecipar o desfecho.

Sem que ela entendesse, ele parou. Agarrado, ainda dentro, como que travando qualquer outro movimento. Antes de conseguir perguntar “O que foi?”, sua mente foi catapultada para onde a mente dele já estava. Ele a pegou pelo pescoço e virou. Ficaram se olhando e se cheirando enquanto se lembravam de si mesmos, do quanto não entendiam nada do que estava acontecendo, do quanto já estavam ali, felizes, colados e relaxados, mesmo antes enquanto estavam dispersos no carro.

Sem que ninguém falasse, o que se ouviu foi uma mistura de “Eu estou aqui”, “Quem é mesmo você?” e “Eu te amo a ponto de não saber o que isso significa”.

Depois aprenderam a parar o mundo sem necessariamente parar o corpo. Para ele, a catapulta começava com os olhos. Não piscava, quase desfocava, alternando entre se fixar nos olhos e atravessá-la, como se mirasse uma paisagem a 9 quilômetros exatamente atrás de sua nuca. Para ela, a catapulta era sentir a extensão quase infinita do próprio corpo e das sensações como se habitasse o corpo de outra pessoa, como uma simulação. Ao tentar se afastar, ela acessava ainda mais diretamente a realidade.

Às vezes é impossível brigar em apenas um cômodo da casa. Impossível olhar nos olhos do outro. Ela começa a se aprontar e vai freneticamente do banheiro para a lavandeira, do quarto para a sala. Ele finge ignorar a briga e fica respondendo da cozinha, enquanto bebe água sem estar com sede, e depois da sala, enquanto liga o computador sem saber por quê.

Não importa o que se diga, as falas dificilmente surgem além do horizonte de significação do problema, do mundo particular que reduz o foco dos olhos e sequestra pulmões. A briga acontece sempre com algum nível de alucinação, como se estivéssemos em um estado especial de REM. Ainda assim, é possível abrir a janela e repousar os olhos revirados no céu. Lembrar que estaremos todos mortos daqui a pouco. Admitir que nosso marido ou esposa não são nosso marido ou esposa; são apenas alguém que decidiu brincar um tempo conosco.

De um cômodo a outro, há uma espécie de bardo, limbo, entre-mundo: o corredor. Se a cozinha serve para algumas ações, se o escritório define o que podemos ali fazer, o corredor é o cômodo por excelência do não-fazer.

É ali que podemos descobrir que o melhor jeito de resolver uma briga é não resolver nada, mas olhar o mundo no qual a briga acontece como se déssemos zoom out na própria casa. Ao fazer isso descobrimos a liberdade de criar mundos, nos divertimos com as dinâmicas possíveis da relação e nos relacionamos com a liberdade do outro, com aquilo nele que pode brincar de ser esposa e marido e de se perder nos conflitos entre tais personagens.

Com o mundo parado, podemos até voltar para a briga, mas agora estaremos com os dois pés no chão, não mais dentro de nossas cabeças.