domingo, 27 de julho de 2014

Só de passagem.


Estrangeiro. Sempre fui desse tipo de homem que visita um coração. Visitante, sabe? Nunca fiquei por muito tempo e sempre conduzi a minha visita aos pontos principais. Trazia flores e enfeitava a dona da casa. Trazia o meu sorriso sincero de quem está maravilhado com a vista nova, mas sabia que nunca ia ficar por muito tempo. Minhas credenciais diziam claramente quão efêmero eu seria assim que pusesse os pés em algum amor que não obedecesse as fronteiras da minha segurança.

Passageiro. Eu nunca deixei a minha zona de conforto de lado para tentar estabelecer amor dentro de alguma turbulência. E também sempre achei muito mais bonita essa imagem de um passante. E há um quê de intensidade e verdade no olhar de alguém que não pertence ao lugar. As fotografias enquadram olhares, palavras não ditas, paixões bem vividas. E não me chamem de leviano, porque eu sempre compro passagens de ida e volta. E aviso no momento da minha chegada que a hospedagem tem data certa para chegar ao fim. Mas sabe o que é? As pessoas se encantam pelo desafio de me fazer estabelecer rotina num lugar tão remoto quanto um coração. Algumas até conseguem me fazer aumentar o prazo de estadia, mas ninguém conseguiu me fazer largar as minhas viagens ao redor do mundo para fixar um lar.

Forasteiro. É assim que me chamam ao ouvir as minhas histórias. Ou de canalha, talvez. E a cada mês é um lugar diferente. Existe tanta beleza por cada um desses lugares. São alguns corações sem esperança, aconchegantes, que me expulsam antes do término do prazo, que me pedem pra ficar com lágrimas nos olhos. São tantas cores de cabelos, desde os castanhos mais bonitos e amadeirados até os vermelhos cor-de-fogo. E os olhos também me mostram a entrada de cada um desses lugares com suas cores mais vibrantes. Os olhos acompanham as cores dos lugares por onde andei. Desde o azul turquesa cujo coração é leve e pulsante como o mar grego, bem como o preto grafite dos olhos de uma fera cujo coração possui barreiras maiores que a Muralha da China.

Mas, olha, dia desses pode ser que eu canse de admirar o mundo por aí e decida parar em algum lugar. Algum lugar cuja dona me permita ficar e seja minha guia. Cujas cores eu ainda não tenha visto. Cujos ventos me surpreendam de tal maneira que me façam escolher moradia e chamar de lar. Algum lugar com olhos profundos e lábios molhados de água de chuva de verão. Algum lugar com pouco significado, com poucas explicações e muito sentido. Mas, por enquanto, eu vou andando por aí e conhecendo o mundo.

Caras Como Eu

É por trás dos copos de uísque que se escondem verdadeiras histórias que não deram certo. Eu admito que me perdi pelas minhas desculpas esfarrapadas e pelo meu gosto nada convencional por paladares fortes e nem um pouco suaves. Permita-me pular toda essa enrolação e explicar-lhe a minha história. Mas, antes, um aviso: eu gosto de brincar com metáforas e usar delas pra demonstrar mais inteligência do que eu realmente possuo. E esse português rebuscado cheio de vírgulas e construções não tem nada de culto. É só mais uma maneira de tentar agregar algum valor a uma imagem que um dia já foi contente e jovial.
Eu venho aqui nesse pub todos os dias. É genial essa visão de mulheres bonitas disfarçando a sua futilidade com um sorriso e a percepção de que morrem de medo de ficarem sozinhas. Tem também desses caras que gastam todo o salário pagando drinks na esperança de levar uma delas pra cama. E tem os típicos canalhas bonitões que só piscam e conseguem a gata da noite numa bandeja. Meu tipo é mais desses observadores. Não me entendam mal, eu sou bonito e tenho bastante dinheiro que o sucesso no mercado publicitário pôde me render. Uso ternos bem fechados, com cortes italianos e sapatos que reluzem. Toda aquela baboseira fashionista que alguém comentou um dia que era legal e as mulheres gostaram. E faz mais de dois anos que eu não vejo a mínima graça em algum desses personagens, além do meu copo e da garçonete que o enche.
Eu não me acho o cara certo pra falar de amor. Um ilusionista, talvez. Eu tenho lá as mulheres que quero com um bom papo e uma forma de conduzir na valsa que só eu sei. Altas, baixas, magras, esbeltas, latinas, europeias, todo tipo que você pensar. E você acha que eu sou feliz? Nem um pouco. Eu disfarço a maior frustração da minha vida com noites de farra e amigos num apartamento bem localizado no coração da cidade. Eu sou um desses desiludidos da vida que nunca vão encontrar a garota certa pelo simples fato de já tê-la encontrado e ter perdido a oportunidade. Coisa de garoto novo que não sabe lidar com a pressão do dia-a-dia e com as tensões de um relacionamento sério. Aquele medo de perder a liberdade, de se prender, de perdê-la em caso de passo em falso. Hoje em dia eu posso dizer que é tudo um bando de bobagens que a gente inventa pra se privar de viver algumas coisas e de quebrar a cara com elas. Eu podia ter quebrado a cara uma, duas, três vezes e estar com ela agora. Ou ter me dado muito bem na conduta do relacionamento e ele ter chegado ao fim do mesmo jeito. Mas não, eu simplesmente tive medo de seguir em frente e fiquei parado aqui. Ela seguiu.
E essa casca grossa revestida de sucesso e confiança só serve pra conquistar mulheres bonitas que vão durar algumas poucas semanas na minha vida. Perdi o interesse por quem não me jogue no chão e me faça mudar toda a minha visão de mundo. Se não for pra ser assim, não precisa nem vir. Jogos de conquista são meu ponto fraco, mas até disso eu enjoei depois de um tempo. É aquela velha história: chega uma hora em que se não for pra ser amor, que seja nada. E que dure tão pouco quanto uma garrafa de gim na mesa de um alcoólatra. Não sou romântico, não. Longe de mim. Sou mais um homem que resolveu contar a vocês que a maior desculpa da minha vida é que não sirvo pra relacionamentos. Eu sirvo se for com quem também me serve da maneira certa. Meninas bonitas vão ser apenas meninas bonitas depois da festa. Mas e tudo aquilo que interessa? Aquela preocupação em atender um telefonema ou mandar uma mensagem bem escrita. Tudo aquilo que é fundamental numa relação que não encontro em mais ninguém? Acreditem, não estou comparando meus relacionamentos com o que ela foi pra mim. Só digo que ela me estragou pro mundo. E eu vou ser sempre aquele cara com que não se tem a possibilidade de futuro nem de um presente breve.
E pode confiar em mim. Existem mais alguns caras sentados em bares ao redor do mundo, rindo da vida, destilando a imagem do sucesso e da felicidade. Eles se sentem mais vazios que o meu copo nesse momento. Caras como eu são mais comuns do que vocês imaginam.
Daniel B.