Já decidi: não dá mais para nós.
Nossos nós estão frouxos demais, e
nossos pés andam cada vez mais distantes e errantes, como se andássemos
juntos para trás. Sua pele já não busca mais a minha nem quando a cama
esfria e, nas vezes em que, sem querer, toca-me por debaixo do edredom,
logo pede desculpa pelo esbarrão, como se só atritasse em mim despida de
intenção. Como se raspasse em mim sempre movida por mera desatenção.
Sei que dá medo de recomeçar. E que
abrir mão de você fará com que eu precise me reinventar. Sei que
planejamos que iríamos juntos para Itália, para Austrália e até para
Marte, mas, meu amor, saiba que precisarei ficar aqui, sem você, mesmo
que ainda queira ir para outra parte. Preciso sentir a sua ausência.
Talvez, para não relembrar os nossos
melhores porres e o cenário das nossas piores ressacas, eu tenha até que
mudar de bar – afinal, aquele boteco amarelo de esquina já foi quase o
nosso doce lar. Além do mais, se eu sentar sem você naquela mesa bamba, o
garçom, nosso velho amigo, certamente, por ingenuidade e não por
indelicadeza, vai perguntar por você. E a minha resposta será nada mais
do que o silêncio. Cisco no olho, aperto no coração, nó na garganta.
Provavelmente, mudarei também o caminho
que faço para chegar ao trabalho, só para não passar na frente daquela
sorveteria de que você tanto gosta. Só para não me lembrar das vezes em
que não a avisei e a deixei, por pura diversão, com a pontinha do nariz
suja de sorvete de pistache. Aquele nariz que se franze em incontáveis
ruguinhas toda vez que você sorri com a alma, com tanta convicção que só
a boca não dá conta. E por mais que o motivo do seu sorriso não seja
eu, que você continue sorrindo. Com a alma.
E comemorando, meu amor. Eu, certamente,
não estarei presente na comemoração do próximo Natal e nem no brinde
que marcará a chegada do Ano Novo, porque não quero mentir para minha
família e, com voz fraca, dizer: “Ela não veio porque está doente”. E
muito menos quero contar-lhes a verdade, para ter que suportar mil caras
de velório me olhando com ares de piedade. Mas ainda assim, desejo que
você tenha motivos de sobra para comemorar. E que se escapar aquela
lágrima de canto de olho no segundo da virada, você a seque com
convicção. E que só se deixe molhar por um banho de champanhe.
Quando você sair e finalmente apagar a
luz, apagarei também tudo que existe dentro do meu Ipod. Trocarei nosso
infinito estoque de rock por qualquer coisa que não me toque. Por
qualquer coisa que nós nunca tenhamos tocado em algum tempo-espaço do
passado. Pode até ser pagode, se quer saber. Chegou a hora de mudar o
disco e perder a mania de discar, quase que como ato falho, seu número
no meu celular. Preciso riscar você da minha agenda e apagar os seus
riscos da minha pele. As camisetas que você me deu de presente? Que
façam algum necessitado feliz. Não suportaria usá-las sem você para
tirá-las com aquele ar de desespero. Mudarei o tempero, porque até o
ketchup me lembra você. Talvez seja a hora de usar a mostarda e de
exagerar na pimenta, só para disfarçar a amargura que restará no meu
paladar quando você já não estiver aqui.
Para não me lembrar de você e das muitas
noites que varamos tagarelando, mudarei do vinho para água. Porque
vinho me remete às nossas noites dançantes. À vergonha que você sempre
perdia após a segunda taça. À sua mania de girar o copo em movimentos
circulares “só para analisar o teor alcoólico”. À mancha que você deixou
no meu tapete. E no meu coração. Por isso, garçom, desce aquela água.
Para um.
Ricardo Coiro.