terça-feira, 1 de maio de 2012

A Mulher dos Meus Sonhos Não Existe, Ainda Bem


Não consigo lembrar-me de tudo com a riqueza de detalhes que gostaria, mas todas as sensações vividas parecem ter sido orgásmicas. O rosto dela era uma mistura dos meus anseios diários com o sorriso safado de minhas musas do cinema, sempre com certa imprecisão de traços e expressões metamórficas. Aquela mulher mudava de face a cada segundo e mesmo sem saber com quem estava naquela cama quilométrica, sentia algo real – era como se estivesse esperando por tanta intensidade desde o dia que comecei a entender a função simbólica do meu coração. Ela tinha cabelos tão longos quanto meu tesão permitia e mexia-se como quem não conhece os limites físicos do próprio corpo, beijando-me enquanto eu tentava entendê-la, decifrá-la ou ao menos nomeá-la, mas infelizmente um rugir do cotidiano a tirou dos meus braços bruscamente, o toque do meu despertador a desfigurou em mil partículas de nada, agora só presentes em minha memória e perpetuadas nesse texto sobre o risco de apaixonar-se desesperadamente por alguém que nunca existiu – ou melhor, pela ilusória e contaminadora sensação de perfeição que só os sonhos carregam, gerando minutos de silêncio e desespero logo após abrirmos os olhos e ainda na cama percebermos que tudo não foi real e talvez nunca será.

As horas que sucederam minha despedida abrupta daquele ser utópico foram regadas com silêncio total e cabeça nas nuvens, ou melhor, nas curvas daquela incógnita. Tomei café quieto, derrubei açúcar na toalha de mesa, viajei num banho mais demorado que o habitual e já no caminho do trabalho quase bati no carro da frente. Não conseguia descobrir porque desejava tanto voltar ao mesmo sonho, na verdade até identifiquei algumas coisas familiares naquele corpo e com muito esforço lembrei que ela tinha as coxas grossas da minha professora de musculação, o tom suave de voz daquela ex-namorada pela qual fui embriagadamente quase noivo e os olhos claros da Megan Fox, mas quem era ela?

Depois de muito pensar, sempre sozinho e com vergonha de contar a alguém essa sensação de amor platônico misturado à vontade adolescente, descobri que aquela mulher invisível era um sintoma claro e cruel das falsas expectativas que a sociedade me ensinou a ter. Um estilhaço doloroso dos meus 26 anos assistindo comédias românticas de final inevitavelmente feliz, comerciais de margarina de céu sempre azul e lendo artigos de revistas masculinas sobre a suposta existência de uma mulher ideal, aliás, ideal pra quem? Já que cada ser humano nesse imenso universo possui necessidades e desejos totalmente diferentes.

A mulher dos meus sonhos era apenas uma expressão surrealista e exacerbada da minha busca diária e incansável pela Monalisa em meio à maravilhosa e imperfeita multidão da metrópole. Nesse dia percebi que aquilo não era apenas um sonho e que eu estava sofrendo os sintomas do meu excesso de perfeccionismo pós-traumático advindo dos tantos machucados naturais e feridas que a vida normal deixa. Descobri que estava com medo de enfrentar as imperfeições do mundo e que preferia correr atrás do inalcançável para evitar os riscos eminentes dos prazeres reais.

Essa noite irreal regada por uma relação supostamente perfeita com uma desconhecida, me fez chegar a uma conclusão – a perfeição é, felizmente, algo inatingível. A beleza se dá através de uma junção de qualidades com defeitos, aqueles mesmos que mais pra frente, podem se revelar como o berço das melhores qualidades do outro. Comecei então a reconhecer a beleza das falhas. Parei de procurar os pequenos defeitos nas mulheres que entravam na minha vida e, só assim, pude enxergar as tantas qualidades alheias para as quais estava cego. Estava realmente cansado de alimentar-me de utopias deliciosas e não sentir gosto de nada.

Hoje aprecio o humano e até um lindo “foda-se” dito em voz alta pela mulher com raiva. Admiro as imperfeições da bunda quando estas vem acompanhadas de ótimas conversas de bar. Aceito e entendo o tempo que perdi esperando elas arrumarem o cabelo e experimentarem os tantos vestidos parecidos jogados em cima da cama. Hoje não as comparo mais com capas de Playboy e amo quando elas deixam a luz do quarto acesa, para que eu possa ver o quanto elas são humanas e reais. Aprendi que os defeitos são como beliscões, capazes de provar que estamos ao lado de mulheres verdadeiras e não dentro de sonhos que se autodestruirão em cinco segundos.

Rasgue agora a folha na qual você colou recortes e montou aos poucos a imagem de um par ideal, esqueça o Fábio Jr. e as metades da laranja, jogue tudo isso no lixo mais próximo, corra para rua, e daí que está chovendo? Surpreenda-se e usufrua ao máximo do seu direito de viver, arriscar, errar e recomeçar tudo de novo. Deixe para sonhar com viagens no tempo e coisas ainda impossíveis de serem realizadas, quando estiver acordado aceite as regras e riscos do jogo, seja real você também.

Eu felizmente acordei de um pesadelo comum a muitos sonhadores e graças a essa rapidinha sem gozo, dada com uma desconhecida, passei a dormir menos na minha própria cama e a sonhar com coisas realmente possíveis, e você? Continuará alimentando-se de idealizações inatingíveis? Ou vai acordar e enfim saborear o risco bom de ser feliz?

Ricardo Coiro