terça-feira, 22 de janeiro de 2013

O mal é a falta de empatia

Não sou religioso. Não acredito em metafísica.
O mal existe apenas como um comportamento humano. O mal é um contínuo de ações no qual podemos nos mover de um extremo a outro e, até mesmo, sair.
O mal é a falta de empatia. O mal são os olhos cegos e os ouvidos moucos. O mal é a desatenção e o auto-centramento. O mal é aquilo que sinceramente não te ocorre, que realmente não enxergou, que jura que não ouviu, que não sabe como foi esquecer.
O que é um batedor de carteiras comparado ao honesto pai de família que não enxerga nada a sua volta? Que não vê sua esposa insatisfeita e desesperada, seus filhos confusos e autodestrutivos, seu sócio abrindo a garrafa de uísque cada vez mais cedo?
O mal não é puxar a Anne Frank do sótão: o mal é cruzar todo dia pelo seu porteiro com o braço engessado e nunca perguntar, nunca se preocupar, nunca nem reparar.
O mal não é ser dono de uma fazenda com duzentos escravos: o mal é ser contra uma nova estação do metrô porque vai destruir as arvorezinhas da sua praça e nunca te ocorrer das centenas de milhares de trabalhadores que não têm carro, passam horas e horas em ônibus e terão suas vidas significativamente melhoradas por uma nova estação.
O mal não é a Estrela da Morte explodir Aldebarã: o mal é você relaxar do seu longo dia de trabalho curtindo um filme, depois de um belo jantar feito pela sua irmã, e nunca lhe passar pela cabeça que ela teve um dia igualmente longo de trabalho, ainda por cima fez o jantar e agora está sozinha tirando a mesa e lavando a louça, e ainda perdendo a chance de ver o filme!
O mal é a falta de atenção
Você, já na defensiva ao ler um texto tão moralista, responde:
“Perdão, eu sou tão distraído, estou com a cabeça cheia de coisa, não lembrei mesmo…”
Mas a “distração” que te faz esquecer não é o que te justifica, entende? É o que te condena!
Você não é uma pessoa boa que tem péssima memória e é muito distraída. Sua péssima memória e sua extrema distração são sintomas de seu profundo desinteresse por tudo que não diga respeito a você.
Duvido que esqueça os nomes dos vice-presidentes da empresa que vão decidir sua próxima promoção. Duvido que esqueça o endereço daquela loira gostosa que te deu mole na praia.
Você esquece é de lavar louça (“puxa, fiquei aqui distraído do filme, esqueci totalmente da louça, agora ela já lavou, amanhã ajudo!”). Você esquece é de assinar o livro de ouro dos porteiros (“putz, com essa correria de natal, nem lembrei, mas tudo bem, ano que vem dou em dobro!”).
É muito fácil nos absolvermos. Em nossa cabeça, somos sempre os protagonistas do filme da nossa vida. Tudo o que fazemos é sempre justificado.
Se dirigimos perigosamente e alguém nos xinga, ainda nos achamos no direito de ficar chateados ou revoltados:
“Porra, ele não vê que estou com pressa? Respeito as leis do trânsito todo dia, mas hoje tenho aquela reunião importantíssima!”
Não interessa o que seja: ou fizemos o certo (e o mundo tem que ver reconhecer e nos premiar, senão é muita injustiça) ou fizemos o errado, mas por um motivo totalmente válido (e o mundo tem que reconhecer e nos entender, senão é muita injustiça).
O que estou propondo é o oposto: qualquer comportamento seu que precise ser justificado ou racionalizado já está por definição errado.
Mais ainda: talvez você não seja uma pessoa boa.
Já pensou nisso?
Então, o que é ser bom?
Um exemplo.
Lavar metade da louça junto com a sua irmã (pois lhe seria intolerável sentar pra ver um filme sabendo que ela está lavando toda a louça sozinha) significa sim perder cinco minutos do filme, mas você não conseguiria viver consigo mesmo sendo o tipo de pessoa que não faria isso.
(Aliás, bróder mesmo é quem vai na minha casa e lava a louça. O resto é visita.)
Porém, o exemplo acima não é um exemplo de “ser bom”, mas simplesmente de “não ser escroto” – duas coisas radicalmente diferentes.
Parte do problema é esse: estamos tão pouco acostumados a fazer o que tem que ser feito que ficamos até orgulhosos.
Parece até que lavar a louça ou ir malhar na academia são grandes conquistas. Que não são coisas que fazemos para nós mesmos, para cuidar de nosso corpo e de nosso espaço.
Ser bom não é somente limpar o próprio cu. Isso apenas te impede de incomodar os outros com seu cheiro de merda.
O que vocês vão fazer com essas palavras
Algumas pessoas leem textos como esse e ficam indignados. Pensam que me considero melhor que eles. Que me acho santo. Que estou lhes dizendo o que fazer.
Não percebem que o dedo que aponto é na direção da minha própria cara. Quem precisa lavar mais a louça sou eu.
Do alto do meu galopante egocentrismo, estou sempre escrevendo só pra mim. Repetindo as coisas que eu preciso ouvir. Tentando me tornar menos pior.
Mas, na verdade, que importa se sou um santo ou um hipócrita? Um cagador de regras ou um vaidoso egoísta? Faz diferença?
Sou irrelevante.
Já minhas palavras, essas podem ser relevantes ou não, dependendo de quem as lê e do que fazem com ela.
Eu sou um fingidor, mas vocês não precisam ser.
O mal não é uma condição imanente, existencial, metafísica. O mal é um comportamento.
Então, basta começar a lavar a louça. Um dia de cada vez.

ALEX CASTRO